terça-feira, dezembro 26, 2006

Para ler e refletir:
Texto escrito pelo meu tio Eldon, tudo a ver com o blog, afinal ele é o cara que mais manda em Java que eu conheço e conta um pouco da vida dele, de moleque. "Novidades e Velhidades" é aqui, não é? (se bem que o cara não é tão velho assim... )

A pipa e a ratinha

Por Eldon Coutinho

Dezembro/2006

Antes de qualquer coisa. O que você vai ler neste texto não é novidade para ninguém! Será uma mensagem sem pretensão. Nada fundamentado ou científico. Será somente um pouco da minha observação de nosso modos operandi.

Cresci na Asa Norte do Plano Piloto de Brasília. Quando éramos “moleques de rua” nas quadras da Asa Norte, brincávamos muito de Pipa. Na verdade confeccionávamos as nossas próprias Pipas. Pipa, para quem não sabe (é bom explicar para a geração “Rebeldes do Orkut”), é uma armação de bambu amarrada com linha e coberta com papel de seda, e que voava ao sabor do vento segurada por uma linha, a famosa linha 10. Às vezes rolava um cerol na linha (pó de vidro com cola) para impor respeito à galera, mas não era sempre, éramos da turma da paz.

Um dia meu irmão Walter Júnior, cansado da mesmice das Pipas de bambu e sem nenhum tostão no bolso (o segundo motivo era mais forte), resolveu fazer uma ratinha. Vou explicar para quem é mulher ou tem menos de 25 anos, ratinha é um tipo de Pipa feito com uma simples folha de caderno ou um papel A4. De vez em quando rolava, como matéria prima, as páginas da revista Veja, o véi “Walti” (meu pai) ficava “tiririca”. Pois bem, o Júnior fez a ratinha (o cara era bom nisso) e cadê a linha para empinar a coitada. Foi aí que ele resolveu ir ao local onde todo mundo soltava Pipa, um balão lá da quadra, e recolher, do chão, restos de linha 10 e linha roca. Com estes restos, danou a emendar os pedaços. Contava com algumas doações de linha “zero bala”, mas 90% era resto de linha do chão mesmo. E não é que assim, devagar e pacientemente, o cara conseguiu um rolo de linha e logo colocou a ratinha para voar?

No começo, a minha reação foi de vergonha, pois era mais novo, e a galera toda zoava meu irmão por conta da tal ratinha. Mas logo percebi que ele era “o cara”. Conseguia, sem gastar nenhum tostão, diversão com sua ratinha, diversão muito parecida com as Pipas incrementadas da época. A galera logo percebeu a coisa e a mania da ratinha se espalhou. Logo aprendi a fazer ratinha e catar resto de linha do chão. Era divertida a estória das ratinhas, e era legal vê-las lado a lado, voando no céu azul de Brasília. Sempre tive inveja da liberdade das Pipas e ratinhas.

Depois de crescido percebi que tanto a ratinha como a Pipa gozavam da mesma liberdade de voar, e aí caiu a ficha! A felicidade vem de atitudes simples e está no tempo presente, nas pequenas coisas do dia a dia.

Hoje, o bicho homem procura a tal felicidade no consumo, no ter. Veja o Natal, tornou-se uma festa quase pagã. Mesmo nós, que nos intitulamos Cristãos, separamos pouco espaço para o Aniversariante.

Somos medidos pela quantidade de sucesso financeiro que temos. É um esquema de pontuação, tem casa própria, tantos pontos, anda na moda, mais pontos, tem carro novo, mais um pouco na média. Enquanto isso estamos perdendo nossa saúde, nosso ecossistema está detonado e as pessoas estão infelizes e cada vez mais solitárias em meio a multidão. Interessante isto não? O mundo tem cada vez mais gente, mas estamos cada vez mais deprimidos e solitários.

Chamo atenção para nosso meio ambiente destruído. Nosso meio ambiente nunca esteve tão meio! E a tendência é piorar. Há cientistas que dizem que nosso ecossistema só sobrevive mais uns 50 anos. Que ironia, conseguimos aumentar nossa própria expectativa de vida, mas não haverá mundo habitável para vivermos!

As pessoas são massacradas na selva de pedra. Em meio à era da Internet e da conectividade total não damos bom dia para o porteiro, afinal, não temos tempo!

Parece óbvio não é? O leitor pode estar pensando, mas que óbvio! E é óbvio mesmo! Mas se é óbvio que estamos vivendo de modo não muito inteligente, por que estamos vivendo assim?

A mensagem que Cristo nos deixou também é óbvia, só tem um problema, pouca gente consegue segui-la, inclusive eu, que de santo não tenho nada. Minha santidade é feito o futebol do Obina. (pra quem é mulher ou analfabeto futebolístico, Obina é um perna de pau do Flamengo, uma praga gorda que joga no ataque rubro-negro).

É muito mais cativante o mundo do ter, não é verdade?

Vamos virar este jogo! Como? Será que temos que vender tudo e distribuir aos pobres, e só assim seremos felizes? Na minha humilde opinião não. Acho que por trás do amai-vos uns aos outros estão atitudes muito práticas, entre elas, destaco a compaixão. Ter compaixão é compartilhar a paixão, ou seja, o sofrimento alheio. Não estou falando somente de recursos financeiros, materiais. Estou falando também de um simples papo, atenção, um abraço, generosidade, um elogio, paciência. Estou falando do esvaziamento de nosso ego.

Hoje, ninguém tem tempo para ninguém, a não ser que alguém esteja pagando. Há quanto tempo não visitamos nossa própria família? Não temos tempo para nossos amigos e familiares. Simplesmente não temos tempo para as pessoas que mais amamos. Quantos “causos” estamos perdendo, quanta riqueza estamos perdendo. É que estamos correndo atrás de outra riqueza, a temporária, terrena, frágil e fugaz. Não que este tipo de riqueza não tenha sua utilidade, é boa, pra falar verdade, às vezes é ótima! Mas não podemos fazer disto o nosso fim, nosso objetivo de vida.

Nós, classe média (alta?), não estamos trabalhando apenas para sobreviver, mas para termos um padrão de vida que nos garanta um futuro tranqüilo. Será? Será que não somos e seremos vazios? Estamos maltratando a nossa saúde por conta de um futuro que sabe Deus como será. Ser previdente é bom! É uma atitude responsável, mas estamos em uma roda viva insana. Sempre apressados, sempre querendo comprar algo, sempre atrás de uma realização material, por isso a sensação de que o tempo está passando tão rápido.

Precisamos de cada vez mais prazer, o próprio prazer. Por isso trabalhamos cada vez mais para nos dar mais prazer e tudo isso vira um ciclo, um ciclo idiota e masoquista. Somos todos “prostitutos (as)” do sistema.

Vamos dar um basta! Vamos sair com os amigos e familiares para bater papo furado. Vamos visitar um doente, vamos evitar que alguém se mate por falta de uma palavra, vamos olhar para nossos velhos e nossas crianças. Vamos desligar a TV e conversaremos olho no olho, conversa séria ou besteirol mesmo. Tem gente que mora há muito tempo com outro e não sabe direito quem realmente esta pessoa é, o que ela pensa, se esta sofrendo ou não, se está angustiada ou não, estou falando de filhos, irmãos, pais e mães, imagina nossos vizinhos, parentes distantes e não tão distantes assim.

Vamos celebrar a vida, vamos viver intensamente, mas como pessoas, não como máquinas. Vamos instituir uma festa semanal ou mensal com nossos familiares e amigos. Vamos fazer “a festa” de quem não conhecemos.

Vamos parar com esta estória de que tudo é culpa do governo e que estamos fazendo a nossa parte, pois não estamos! Vamos respeitar mais o meio ambiente, já que temos informações e conhecimento para isto. Vamos prestar mais atenção ao nosso corpo e ao nosso espírito.

Tenho a convicção que a felicidade está nas coisas simples do dia a dia, no amor. Na gargalhada de uma criança (a da minha filha Gabriela é linda), nos olhinhos brilhando de uma criança pobre que ganhou a oportunidade de estudar, na goiabada com queijo, no banho de cachoeira, no vento que bate na cara durante o passeio de bicicleta, na sensação boa de doar alguma coisa sem querer nada em troca.

Enfim, vamos partilhar a nossa vida e seremos livres... Livres e simples como as ratinhas que soltávamos quando crianças.